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Ligas Acadêmicas

SOBRE AS LIGAS ACADÊMICAS – UM MICRO-ENSAIO
Texto adaptado pela Coordenação Regional da Sul-2 2011



Introdução:

Nesse momento em que se repensa o ensino médico, o aumento do número de Ligas Acadêmicas nas faculdades de medicina de todo o país trouxe a necessidade de um debate mais profundo em relação à função e ao objetivo das mesmas, além de trazer questionamentos sobre os envolvidos em suas atividades (docentes, discentes e comunidade). A discussão a respeito das ligas vai além de problemas pontuais nas escolas, uma vez que elas devem ultrapassar os limites da universidade, através da produção de conhecimento científico de acesso a todos.

Com esse objetivo, a DENEM (Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina) realiza diversas oficinas que abordam esse tema em encontros regionais e nacionais. Essa cartilha foi adaptada com o intuito de atender à procura permanente dos estudantes de medicina por materiais que embasem tal discussão, esclareça possíveis dúvidas e possibilitem a realização de atividades estudantis que tenham o intuito de possibilitar o acesso de todos ao que é socialmente produzido pela humanidade.

Como explicar o boom das ligas acadêmicas?

Quatro fatores têm impulsionado o processo de disseminação e fortalecimento das ligas no meio acadêmico: o desenvolvimento exponencial do conhecimento científico e a crescente incorporação de tecnologias na prática médica, notadamente a partir da década de 50, fragmentando o saber clínico e levando a uma tendência necessária de especialização do médico; a lógica do mercado de trabalho, cada vez mais competitivo, requerendo currículos cada vez melhores e repletos de atividades extra-curriculares; a educação médica oferecida pela maioria das escolas que vêm massacrando a criatividade e a individualidade dos estudantes à medida em que oferece como única alternativa formal para os educandos a aquisição passiva de conhecimentos; e por fim o próprio aspecto da curiosidade epistêmica em determinadas áreas do saber.

Com relação ao primeiro fator, sabe-se que o corpo científico de conhecimentos necessário à construção do saber médico tem sofrido ampliação ininterrupta no processo de desenvolvimento científico e tecnológico. E é sabido também que esse desenvolvimento tecnológico e da área de equipamentos veio acompanhado de pressões das indústrias de medicamentos e de equipamentos sobre a organização do trabalho e, em conseqüência, do mercado de trabalho médico. Por outro lado, a introdução de mecanismos de obtenção de lucros no setor saúde favoreceu a adoção do modelo de atenção baseado na utilização intensiva [e progressiva] de tecnologia e na especialização do médico.

Então quais são os problemas em se criar e manter uma liga?

Dentre os problemas decorrentes do surgimento das ligas acadêmicas estão:

  • A disputa de cenários de prática com a graduação, que já sofre pela falta destes (não é raro ver ligas acadêmicas “fundando” ambulatórios para seu uso exclusivo dentro de Hospitais Universitários, privando outros estudantes que não participam das ligas desses espaços);
     
  • A não inserção da liga acadêmica no tripé universitário – ensino, pesquisa e extensão e/ou o confundimento e a deturpação do sentido da extensão universitária, que não raro é vista como meta contemplada na realização de simpósios e palestras. Dessa forma, as ligas acabam produzindo conhecimento para dentro da academia, mas não para fora dela.
     
  • A tendência de indução à especialização precoce, prejudica a sedimentação de um conhecimento prévio e necessário a ela;
  • A permeabilidade de algumas ligas acadêmicas à influência da indústria farmacêutica, trazendo o lobby dos vendedores de medicamentos para dentro do meio acadêmico, o que traz sérias repercussões na prática clínica do médico formado com esse viés;
  • A construção de uma visão reducionista de que a função da liga seria a de suprir falhas curriculares ou mesmo a de servir como dispositivos para melhorar o currículo do estudante de medicina, lançando-o com mais força no campo da competitividade e na busca por estágios extra-curriculares e por programas de residência mais concorridos;
  • Por fim, é fato que muitas associações (d)e ligas acabam se constituindo enquanto fóruns paralelos de representação de estudantes, gerando um processo de desmobilização de importantes espaços de luta pela educação médica socialmente referenciada, como os diretórios e centros acadêmicos.

Sobre a necessidade de regulamentação da ligas

Há quem diga que as ligas acadêmicas constituem experiências de protagonismo técnico-científico e que, portanto, estariam em situação de independência no que tange à sua regulamentação pelas entidades de protagonismo político, a exemplo dos Diretórios e Centros Acadêmicos. Entretanto, uma análise mais atenta a essa questão nos mostra que a dicotomia protagonismo técnico-científico X protagonismo político é falsa, na medida em que ciência e política são compreendidas enquanto variáveis indissociáveis de análise.

Apesar de a ciência revestir-se de uma aparente neutralidade, ela não é independente das relações sócio-econômicas. Sendo assim, o ensino, a pesquisa e a extensão produzidos na universidade são subordinados a certos interesses. O que determina o financiamento de um medicamento em detrimento de outro? O que determina a doença que será pesquisada? O que determina os currículos e as reformas curriculares? O que une as questões da ciência, da universidade e da ideologia entre si é que todas servem para a manutenção das desigualdades sociais.

De maneira geral, isso acontece devido à dependência da universidade e de institutos de pesquisa em relação às indústrias farmacêuticas, planos de saúde e outras empresas que financiam tanto o ensino, a pesquisa e aextensão. O fato é que essas empresas visam ao lucro, em detrimento dasdemandas sociais.Sendo assim, a ciência produzida na universidade torna-se uma mercadoria, o que priva a maioria da população do acesso a tudo o que é socialmente produzido. Por exemplo, na maioria das vezes, na área da saúde, o acesso ao desenvolvimento de ciência e tecnologia para exames, medicamentos, cirurgias, dentre outros serviços limita-se àqueles que podem pagar pelos mesmos. Inclusive quando o serviço de saúde é público e gratuito, a sua distribuição é condicionada ao lucro dessas empresas privadas. Isso mostra que longe de equalizar as diferenças sociais, a ciência reafirma a desigualdade social.

É importante salientar que não é o desenvolvimento da ciência que determina as relações sociais e sim, o contrário. Dessa maneira, a crítica não deve ser à ciência ou ao seu desenvolvimento, mas à estrutura social a qual ela está subordinada.

A partir disso, considera-se que o debate em relação às ligas acadêmicas está estritamente ligado à questão da ciência, sendo, portanto, politico. Surge, então, a necessidade da regulamentação das ligas acadêmicas pelas entidades de representação política dos estudantes de medicina: os diretórios e centros acadêmicos; e da atuação conjunta aos centros e diretórios acadêmicos na luta pela melhoria da educação médica e nas lutas gerais.

Levando em consideração todos os fatores já explicitados, algumas propostas são lançadas a fim de que as ligas acadêmicas possam se constituir como pontos de reflexão e aproximação entre os estudantes, rompendo com as contradições forjadas entre ciência e social, produção científica e sociedade, entre tudo isso e a política.

 

Fonte: “Sobre as Ligas Acadêmicas- um micro ensaio” de Emerson Barbosa Monteiro – Coordenação de Educação e Saúde 2008

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